Saturno (em Imagens da psique, de Christine Valentine)

Em última análise, a maioria de nossas dificuldades surge quando perdemos contato com nossos instintos, com a sabedoria milenar armazenada em nós. Qual o lugar onde mantemos contato com esse ancião que vive em nós? Os sonhos.

(C. G. Jung)

“Qualquer tentativa de negar nossa humanidade evoca Saturno ou aquela parte de nós que parece frustrar ou negar nossa onipotência, colocando-nos em nosso lugar, a queda que fere os calcanhares de nosso orgulho. Quando vivenciamos Júpiter, sentimo-nos como se tudo estivesse ao nosso alcance, como se o mundo fosse nossa ostra e Deus um pai amável e generoso. Quando vivenciamos Saturno, sentimo-nos inadequados e limitados, como se aquilo que quiséssemos estivesse sempre além de nosso alcance, cheio da dor dos desejos frustrados e insatisfeitos, que só podem ser saciados se estivermos preparados para merecê-los. Agora, Deus é o mestre rude, severo e exigente que quer que aprendamos a esperar, a nos esforçar, a desenvolver a paciência e a autodisciplina, qualidades bem distantes da promessa de abundância feita por Júpiter. Assim, a menos que possamos compreender o valor da dor e da frustração, Saturno representa uma reviravolta do destino, cruel, imerecida e sem sentido, que o cristianismo atribui ao Diabo – Saturno como Satã. Entretanto, Liz Greene trata Saturno como “aquele processo psíquico natural em todo ser humano, por meio do qual o indivíduo pode utilizar a experiência da dor, da restrição e da disciplina como meio de atingir a plenitude da consciência e da satisfação.” Assim, Saturno também nos oferece oportunidades, e a dor se associa ao crescimento.
O analista jungiano Ean Begg disse que “Saturno purifica o homem da escória da irrealidade através do sofrimento”, e a dor que aqui está associada à purificação sugere o fogo alquímico. Temos a imagem da remoção do que é supérfluo, não-essencial e ilusório, deixando-nos pura e simplesmente com ‘aquilo que existe’, a realidade pura, sem qualquer verniz ou enfeite, livre de imagens que mostram como gostaríamos que as coisas fossem. Isso pode ser doloroso, pois pouco há de mais devastador do que a perda das nossas ilusões mais preciosas. Por outro lado, também é libertador, pois não precisamos mais desperdiçar energias em busca do arco-íris, dedicando-nos a construir, a desenvolver e a refinar o que já existe a serviço do que é realisticamente possível, daquilo que podemos chamar de ‘sermos nós mesmos.’ Com efeito, enquanto não pudermos superar nossas ilusões, não conseguiremos sequer enxergar o valor desse tesouro e utilizá-lo. Ele pode ser ainda mais rico e valioso do que nossos sonhos, mas este fato é geralmente deixado de lado. Parece que a única coisa que nos força a meditar é a experiência da dor e da frustração, algo que, mais cedo ou mais tarde, gera a introspecção e a busca da alma.”

(extraído de Imagens da psique, de Christine Valentine, Ed. Siciliano, 1994, tradução: Marcello Borges)

4 comments

    1. Oi, Luci. Infelizmente, não sei informar-lhe, mas talvez você encontre informações sobre ela em sites do Reino Unido, acredito que ela é inglesa. Bom dia!

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