“Recluso nos implacáveis cimos himalaios, Milarepa viverá assim até sua morte, dedicado à ascese, alimentando-se de papas de urtigas e tomando um aspecto descarnado e cadavérico, o corpo nu cobrindo-se de pêlos verdes.
Seus primeiros anos como eremita são inteiramente consagrados à penetração de verdades metafísicas apreendidas junto a Marpa.
Compõe cantos admiráveis, que são um dos tesouros da espiritualidade universal.
Descendente de Naropa e do Sendeiro da Libertação.
Que eu possa, solitário, ligar-me com sucesso à solidão.
Que os prazeres do mundo ilusório não me tentem;
Mas que cresça a tranquilidade da meditação;
Que eu não descanse mergulhado na inconsciência da quietude;
Mas que o desabrochar da Supra-Consciência brilhe em mim.
Que os pensamentos mundanos, criações do espírito, não me contrariem;
Mas que a folhagem luxuriante do Incriado brote em mim.
Que eu não seja, em minha ermitagem, perturbado pelos conflitos mentais;
Mas que eu possa fazer amadurecer o fruto do conhecimento da experiência.
Que Mara e seus exércitos não me confundam.
Mas que eu possa descobrir minha satisfação no conhecimento do meu Verdadeiro Espírito.
Que eu não duvide do Sendeiro e do método que sigo;
Mas que o percorra nas trilhas de meu pai espiritual.
Ó gracioso Senhor, Encarnação do Imutável.
Concede-me tuas bençãos! Que eu possa, eu, o mendigo, ligar-me firmemente à solidão.
Milarepa ascendeu por fim à beatitude e se estabeleceu no Nirvana.”
(extraído de O budismo tibetano, de Jean-Michel Varenne, Ed. Martins Fontes)