“Quando começou a pregar, Gautama optou por uma expressão clara, destituída de ambiguidade dogmática, a fim de que todos o entendessem, evitando, cuidadosamente, as armadilhas da interpretação filosófica.
As Quatro Verdades Nobres constituem o pivô de sua doutrina. A compreensão verdadeira, não-intelectual, dessas sentenças, enunciadas com uma lógica implacável, constitui a chave inegável do budismo.
1 – Tudo é sofrimento
Essa é uma proposição essencial, e não se trata de admiti-la ao final de uma reflexão mental, mas de imbuir-se dela. Estamos diante menos de um dogma que de uma verdade experimental. O próprio Gautama, antes de compreender a natureza de nossa condição, não a admitia.
2 – A origem do sofrimento é o desejo
Sofremos porque somos constantemente levados a desejar o que não conhecemos. O desejo sempre acarreta o sofrimento. Nunca estamos totalmente livres e felizes com a vida. Sempre queremos algo mais: coisas, posições, entes amados. Também podemos traduzir desejo por sede, apetite. Somos ávidos por tomar, segurar, possuir. Ao associar desejo e sofrimento, Buda aproxima o ferro em brasa da ferida viva da condição humana.
3 – Libertar-se do sofrimento consiste em abolir o desejo
O sofrimento não se extingue sozinho, como uma vela de cera. Somente a compreensão de sua causa real – a avidez – pode nos libertar da prisão em que nos encontramos. O primeiro passo para a libertação espiritual é a supressão dos desejos, conquistada graças ao conhecimento global de sua fatuidade e dos condicionamentos que os suscitam.
4 – O caminho do meio
A resposta de Gautama define a ambição do budismo. Se nos deixarmos conduzir pelso sentidos, estaremos cedendo à tirania das paixões insaciáveis, perseguindo obstinadamente, fora de nós mesmos, compensações que, por sua vez, engendram novos sofrimentos, e assim por diante. Entretanto, é quase impossível interromper bruscamente o exercício dos cinco sentidos recorrendo a uma disciplina ascética, coercitiva. Suprimir os desejos pela vontade racional é causa suplementar de sofrimento.
O Buda propõe uma via intermediária, o caminho do meio. Sem ceder aos atrativos mundanos, o indivíduo deve observar uma disciplina “suave” que não caia nos caprichos masoquistas da automutilação.
O caminho do meio é governado pela paciência, pela atenção, pela distinção entre os pensamentos perturbadores.
A partir do momentio em que compreendemos a verdadeira natureza dos desejos, libertamo-nos do sofrimento que eles implicam. Não se trata de uma autoprovação, de uma fuga do mundo, mas do conhecimento da realidade. A vida é o que fazemos dela. O sofrimento e a avidez não possuem existência própria.”
(extraído de O Budismo Tibetano, de Jean-Michel Varenne, Ed. Martins Fontes)
Ciência, Filosofia, Psicologia, Realidade. Lindo! Já tenho afinidades com o Budismo e a Teosofia de longas datas. Curto muito Fritjotf Capra, Lao Tsé, Heráclito e Krishnamurti. Este com maior intensidade pela clareza e profundidade do seu discurso.